Peguei meu carro e resolvi viajar de
Salvador até o Rio de Janeiro passando por Porto Seguro, onde planejava ficar
por uns dois ou três dias.
Estava recém-separado de uma mulher pela
qual senti muito desejo e pouco amor. O amor ficou para os frutos deste desejo,
dois filhos lindos, duas almas em construção. Sentia certa leveza por estar
livre da hipocrisia de manter uma relação desgastada com o tempo e com isso
providenciando um ambiente infeliz para meus filhos. Por isso a separação não
foi opção, foi obrigação ética.
Ainda na BR101, na metade do caminho,
resolvi passar por Itacaré, onde passei três dias surfando as melhores ondas
que já surfei em Itacaré.
De Itacaré fui a Porto-Seguro onde passei
outros três dias, curtindo as praias e o ambiente noturno movimentado de uma
cidade pequena.
Saindo de Porto-Seguro, aproveitei para
ouvir a mistura do som do motor de meu carro com a brisa matutina. Uma mistura
de sons melhor do que muita música composta, principalmente nestes últimos
tempos. Poucos quilômetros depois vi uma moça, no acostamento da estrada, que
ao me perceber estendeu o braço e com a mão fez o gesto típico da carona. De
longe a imagem já tinha impregnado a minha retina. Loura, cabelos compridos
chegando à cintura, uma camiseta curta que terminava acima do umbigo e um short
jeans, bem curto. Instintivamente reduzi a velocidade para ver melhor os
detalhes. Notei as pernas elegantes, bem torneadas e chamativas diante dos
sapatos de salto alto e o short pequeno, rasgado. Ela estava com pulseiras e
colares de miçangas e uma pequena mala na outra mão. Ao chegar bem perto olhei
para o rosto, lindo, e pensei nos meus dois filhos, ainda com um desejo intenso
por aquela Sereia loura, mas com medo de que esta aventura pudesse ser alguma
armadilha, não com medo pessoal, porque tinha perdido este medo depois de ter
sobrevivido a algumas surpresas geralmente fatais, mas que no meu caso, não
foram. Tive medo por meus filhos que dependiam exclusivamente de mim. Sorri
para a Sereia e passei. A imagem da sereia, que impregnou minha retina jamais
saiu da minha memória.
Nesta viagem tive duas oportunidades
criadas. A primeira, não planejada, de surfar em Itacaré. Ao aproveitar esta
oportunidade surfei melhores ondas que as surfadas nas viagens planejadas a
Itacaré. A segunda oportunidade, de passar momentos surpreendentes porque
inesperados, com uma Sereia. Esta, não aproveitei.
Jamais me arrependi das oportunidades que
aproveitei, pois mesmo que tivessem um fim desagradável (o que não foi o caso
da estadia em Itacaré) jamais foram tempos perdidos. Serviram de aprendizado,
naqueles momentos, porque mal me lembro das oportunidades aproveitadas. Mas
hoje, uma década depois, ainda me lembro da Sereia loura pedindo carona e
imagino como teria sido se tivesse parado o carro. Talvez terminasse sendo
apenas uma carona, o tempo, achado, aproveitado em uma conversa cujo
aproveitamento, para mim, dependeria do canto da Sereia. Talvez terminasse numa
aventura, com muitas paradas antes de chegar ao Rio de Janeiro que poderia se
tornar um destino comum. Talvez a aventura terminasse num assalto, numa destas
paradas. Talvez terminasse numa DST. Talvez a aventura não terminasse nunca e
ainda estivesse vivendo-a hoje.
São muitos “talvez”, mas apenas por um
motivo, por não ter aproveitado a oportunidade, e quando não se aproveita uma
oportunidade, seu mundo se enche de “SE” e “TALVEZ” e termina num único
“NUNCA”. Nunca saberei como teria sido se tivesse parado o carro.
E o “Nunca saber” dói bem mais que os “Se”
e os “Talvez”.