Morri.
Causa
mortis? Nem faço ideia. Estou numa antessala para falar com o braço direito do
Homem, ou seja, devo ter sido considerado indigno de falar com o Próprio e eu
vou lá fazer questão de saber do que morri?
Pouco
tempo depois ouvi uma voz dizendo que eu devia entrar na sala. Procurei o
alto-falante de onde o som da voz poderia ter saído e não achei. Entrei na sala
e me deparei com um homem de barba e cabelos compridos um pouco grisalhos.
Parecia comigo. Esta semelhança seria proposital? Com todos que entram na sala
para que se sintam confortáveis? Sorri para o homem.
-Titus
Magnus Augustus Brigante? – perguntou o homem com uma voz grave, porém
agradável.
-
Sim – respondi estranhando o fato de ele fazer uma pergunta retórica, ou
haveria casos de erros de identificação de mortos até entre os espíritos ou que
nome tenham aqueles que vivem do outro lado da vida?
-
Pode sentar-se – disse o homem.
Sentei
e de imediato reparei que os olhos dele eram castanhos, portanto esta
semelhança não era completa e notei, de forma preocupante, duas portas na
parede por trás da mesa dele. Será que foi por isso que não vi ninguém saindo
da sala antes de entrar? Será que cada uma das portas seria de um destino
diferente a depender do nosso comportamento em vida?
Ele
pareceu ler meus pensamentos porque me perguntou em seguida:
-
Você sabe que está sendo julgado?
-Entendi,
Sr? – perguntei.
-
Pode me chamar de Pedro.
-
Então Pedro, você será o juiz, o promotor ou meu advogado de defesa?
Ele
riu.
Objetivo
inicial cumprido. Estava tentando ser simpático qualquer que fosse a função dele.
-
Nenhum. Esta é uma audiência de conciliação e tenho um ponto de escuta no meu
ouvido.
Definitivamente, neste lugar pós-vida, eles tinham senso de humor.
-
Para começar vamos falar das coisas boas que você fez na sua vida ....
Vamos
pular esta parte da conversa, não tão longa quanto eu gostaria, porque não
estou contando esta história para me gabar dos meus acessos de bondade.
-
Agora vamos falar dos pecados – disse ele com uma voz mais grave do que a que
eu já me acostumara a ouvir. – Nos últimos 35 anos você não procurou a igreja
na qual foi batizado e fez sua primeira comunhão, não confessou seus pecados e
nem mostrou arrependimento. O que você tem a falar em sua defesa?
-
Bom Pedro, você já respondeu a sua pergunta. Porque vou confessar um pecado se
eu não me arrependi deles. Para rezar um sem número de Ave-Marias e Pai-Nossos
e voltar a cometê-los sem o mínimo remorso?
-Não
sente remorsos deles?
-
Pelo que me lembre, cometi apenas três pecados capitais na vida, a gula, a
luxúria e a ira. Da gula e da luxúria não me arrependo mesmo, cometi e se tiver
comida e mulheres para onde vou já aviso logo que vou continuar cometendo.
- E
sobre a Ira, o que você tem a dizer? – perguntou Pedro.
-
Lamento o fato de ter perdido a calma, ou o controle, mas jamais o fiz em
proveito próprio, sempre que fiquei irado foi para defender uma pessoa
inocente, ou uma causa que achava justa.
-Sabemos
disso. Mas além destes pecados capitais você infringiu um dos mandamentos. Sabe
do que estou falando? – perguntou-me.
-
Sei, mas Pedro, como é que vem aqueles mulherões, me dão a maior bola e eu não
vou sentir desejo? Só se tivesse algo errado comigo.
-
Mas você não ficou apenas no desejo, você de fato cometeu adultério.
-
Porra Pedro, você deve saber que aviões eram a Heloísa, Angelina, Matilde,
Juliana, Jeanne, Scarlett, Maria Eliza, Elizabeth, Cristinne, Luciana e as
outras. Tudo avião e eu vou me negar a pilotar?
-
Estas eram atraentes, mas você também cometeu adultério com mulheres que não
eram tão aviões assim. – respondeu, talvez querendo agravar a acusação.
-
Você sabe que depois de um litro de vodca qualquer teco-teco vira um Boeing. E
você tem que me dar o desconto que na primeira vez de muitas delas eu nem sabia
que eram casadas.
- Na
primeira vez, e nas outras em que você já sabia e continuou assim mesmo?
-
Ora Pedro, o pecado já tinha sido cometido, seria outro pecado não continuar
aproveitando.
- E
o mal que você causou aos maridos traídos? – perguntou Pedro.
- Se
causei algum mal foi involuntário, corno só dói quando se sabe dele e por mim
ninguém jamais ficaria sabendo.
-
Mas alguns ficaram sabendo.
-
Por culpa delas que contaram, eu sempre fui muito discreto, tenho culpa se elas
quiseram machucar seus maridos?
Pedro
sorriu. Ele não parecia um promotor ou um juiz. Parecia até se divertir com a
minha autodefesa. Então, numa voz bem tranquila ele começou a falar:
-
Levando em consideração seus atos de bondades e seus pecados cometidos, devo
....
No
momento que ele começou a falar uma das duas portas se abriu, vinha uma luz
azulada, mas isto não dizia nada, afinal se estávamos no céu e a cor deve ser
azulada, isto não implicaria se eu iria pro inferno ou não.
Tentei
lançar um último recurso de defesa.
-
Posso pedir um grande favor? –perguntei interrompendo-o.
-
Peça. – disse em voz tranquila.
-
Você pode fazer uma dosimetria da pena levando mais em consideração as bondades
que fiz?
Pedro
começou a rir, não era um sorriso, era uma gargalhada. Ainda rindo, ele
continuou de onde tinha parado:
-
Levando em conta e pesando todos os prós e contras, decidimos que a pena deva
ser...
A
porta aberta fechou-se de repente. Senti que fui chacoalhado. Uma voz feminina
se fez presente:
-
Acorda, acorda, se esconde que meu marido está chegando.- disse Heloísa.
- Me
esconder aonde? Eu sou muito grande para caber dentro de um armário.
- Se
esconde no banheiro, vou disfarçar e sair com ele dizendo que estou passando
mal. Use minha chave pra sair – disse ela enquanto me estendia a chave que
estava na cabeceira da cama.
Enquanto
estava no banheiro pensei se minha conversa com Pedro tinha sido apenas um
sonho, ou se eu voltara no tempo para tomar conhecimento de minha Causa Mortis.
Hahahah,eu morro de rir com seus contos Titus, quando você quer ser divertido,não tem pra ninguém. Adoro!Bjo
ResponderExcluirEsse texto é muito engraçado. Você sonhou mesmo ou é ficção?
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