Um conto, sobre ser fiel aos
amigos. Se você tem menos de 18 anos, não leia.
O início desta história deu-se na primeira
metade dos anos 80. Mal saído da adolescência eu era considerado um jovem bonito,
mas sem aquela beleza feminina, pelo contrário, rosto com traços fortes, olhos
verdes, cabelos claros. Minhas amigas me diziam que ninguém seria capaz de
resistir a um olhar e um sorriso meu. Bem, eram minhas amigas, portanto o
quanto existe de verdade nisso é questionável. Fato era que não tinha
dificuldade de ter vários relacionamentos vazios. Os anos 80 também ajudavam
nisso.
Ainda estudante de Medicina, jogava tênis
três noites por semanas. Tinha um parceiro de duplas com o qual fiz grande
amizade por uns dois anos. Na quarta-feira depois do tênis íamos até a casa dele
jogar xadrez. Ele era casado apesar de ter cerca de 22 anos, por aí, não me
lembro deste detalhe. Uma quarta-feira ele não apareceu para jogar, mas antes
de sair para o clube recebi um telefonema da esposa dele para passar na casa
depois do tênis para a partida de xadrez.
Cheguei à casa dele mas este amigo não
estava. A esposa disse que ele iria demorar um pouco, mas chegaria. Ela me
serviu um Hi-fi, que eu sempre bebia nestas noites. (minha paixão por vodca é
anterior à paixão pelo tênis feminino russo). Sentei-me numa ponta do sofá de 3
lugares e fiquei cabreiro quando ela sentou no meio do sofá e começou um papo
bem direto do quanto ela me achava atraente. Nem terminei o drink (e bebo
rápido, em 4 goles mais ou menos) e ela já estava com a mão aonde não devia e
beijando-me a boca. Levantei-me rapidamente, não foi “no susto” porque estava
esperando. Disse a ela que respeitava o meu amigo .... (Lembro-me do nome, é
claro, mas não vou dizê-lo aqui, né?) ...etc e me mandei.
Não dormi direito aquela noite pensando se
deveria contar ou não, nem a do dia seguinte, mas porque dava plantão no
Hospital Geral do Estado, ainda no bairro do Canela, toda quinta-feira à noite.
Com duas noites mal dormidas, na sexta-feira após a aula passei rapidamente em
casa para me trocar e ir ao Clube Bahiano de Tênis, já decidido de que nada
falaria a meu amigo. Afinal omitir não é
mentir. Quando precisamos, acreditamos nisso.
Quando o vi no clube, não precisei dizer
nada, ele já apareceu bufando, me chamando de FDP e com a mão fechada. Eu sabia
que ele lutava, mas eu praticava artes marciais e aproveitei minha maior
envergadura já que eu era quase vinte centímetros mais alto do que ele. Antes
que eu tivesse ao alcance dele, acertei um direto no queixo que o derrubou.
Facilmente o imobilizei, esperei que ele parasse de me xingar para dizer, não
me lembro bem as palavras exatas afinal já tem um quarto de século, mas deve
ter sido mais ou menos assim: “Não fiz nada com ela. Você que me conhece (na
verdade não conhecemos ninguém, aprendi com os anos) deveria saber que eu não
te sacanearia. Não sou escroto, mas eu bem que devia ser, seu corno de merda”. Percebi que já tinha gente suficiente em volta
para soltá-lo. Esses conhecidos do tênis certamente o impediriam de tentar
levar uma surra, pois este seria o desfecho óbvio. E assim foi.
No momento que o vi com a mão fechada na
minha direção soube de imediato que a nossa amizade estava terminada. Mas
estava com a minha consciência tranquila. Por uns bons anos evitei ficar a sós
com mulheres de amigos, afinal gato escaldado tem medo de água fria.
Alguns anos depois, no início dos anos 90,
vivendo no Rio, estava no Shopping Rio-Sul em Botafogo quando encontrei o filho
de um grande amigo, no Shopping, quando este garoto de 17,18 anos me colocou a
seguinte situação: Se eu estivesse interessado na namorada de um amigo, o que
eu faria? Lembrei-me do caso acima e contei-o a este garoto, que com o passar dos
anos tornou-se também um amigo.
Ele me perguntou: “Mas o que você faria
hoje, sabendo disso”.
Perguntei de volta: “Essa namorada é muito
atraente?”.
Ele: “Muito atraente mesmo”.
Respondi: “Sendo assim, se ela não der em
cima de mim, fico no tesão mas não perco a amizade por isso. Mas se ela der em
cima, já que eu vou perder o amigo mesmo, mato o tesão junto com a amizade”.
Ele não disse nada, achei que ele estava
interessado na namorada de algum amigo. Anos depois soube que não era exatamente
isso. Um grande amigo dele dera em cima da namorada dele.
Depois de alguns anos longe do Rio, no
final dos anos 90 voltei ao Rio para fazer outra pós-graduação. Recém-separado
da mãe de meus dois filhos, morava em um apartamento na Prado Júnior, próximo
do “Cervantes” aonde eu sempre comia um sanduíche por volta das duas da
madrugada, principalmente o de pernil com abacaxi.
Nesta época eu saía do Fundão por volta das
três da tarde para dar tempo de chegar em casa e caminhar pelo calçadão de Copacabana
antes do anoitecer. Nestas caminhadas encontrava frequentemente no calçadão de
Copacabana a namorada do amigo do Shopping, que ainda era a mesma. Ela andava
sempre com a irmã e geralmente as duas mudavam de direção para me acompanhar.
Algumas vezes elas passavam no meu apartamento e conversávamos amenidades.
Numa das muitas madrugadas, em que eu
trabalhava no computador, tocaram a campainha do meu apartamento por volta de 1
hora. Pelo olho mágico vi que era uma garota e tinha os cabelos parecidos com a
namorada do amigo do Shopping. Como o olho mágico estava muito arranhado, não
dava para ver direito as feições. Pensei o que ela estaria fazendo ali naquela
hora da madrugada. Abri a porta e vi que não era ela, mas uma linda garota de
programa que me perguntou se eu era um tal Sr. X (vê se vou me lembrar do nome
de alguém que nunca vi na vida, dez anos depois?). Respondi que não, que era
engano. Ela: “Que pena”. Eu olhei para a garota, era destas de catálogo (se bem
que eu nunca andei vendo estes catálogos, apenas sei da existência deles) e
disse: “Não seja por isso, pode ficar aqui, mas não vou pagar nada”. Ela era linda, valia o convite. Para minha
surpresa ela aceitou. Aos quase 40, estava no auge de minha forma física e
segundo minhas amigas antigas mais bonito ainda. (Isto definitivamente confirma
minha falta de modéstia, mas é verdade). Uma hora depois ela saiu apressada certamente
pensando que desculpa iria dar pelo atraso. No dia seguinte o porteiro me olhou
com uma cara divertida e disse: “Se deu bem!”. Compreendi que os porteiros
deixavam as moças subirem e que na noite anterior o “cliente” deve ter
interfonado várias vezes para saber o destino da garota.
Dias depois, quase no mesmo horário,
tocaram de novo a buzina do meu apartamento. Vi uma moça de cabelos escuros
compridos pelo olho mágico. Pensei que era a garota de programa ou uma colega
dela querendo repetir o “engano”. Não era uma garota de programa, mas a
namorada do amigo do Shopping. Mal abri a porta ela já foi entrando, linda, com
um brilho sapeca nos olhos, bebaça, reclamando do namorado que não a satisfazia
sexualmente. Passou os braços em volta do meu pescoço e com toda força me
inclinou para que eu ficasse numa altura que ela pudesse me beijar. Então me
beijou com fúria. Ainda atordoado, inicialmente correspondi, mas logo me
desvencilhei. Perguntei como ela tinha chegado ali, ela respondeu que a irmã a
deixou de carro e foi para casa. Como ela morava perto me propus a leva-la em
casa. Ela foi direta: “Vim aqui para foder com você, se você não me foder vou
dar pro primeiro que quiser. Mário (Claro que não é o nome dele) que se foda.
Eu quero gozar. Cansei de servir de boneca inflável. Ele nunca me chupou, goza
e vira de lado. Que se foda. Eu vou é gozar com você.”
Não sabia o quanto de álcool era
responsável por ela estar dizendo isso, mas que tinha álcool não havia dúvida,
ela nunca usara palavras “pesadas” comigo. Com um tom suave disse para ela: “Não
sou o tipo de homem que transa com mulher alcoolizada, vamos tomar um banho, depois
um chá e aí veremos”.
Dar o banho nela foi difícil. Ela tinha um
corpo de carioca (preciso dizer mais?) e ficava me beijando o tempo inteiro. Me
tocava e obviamente reagi. Ela olhava pro dito cujo enquanto o pegava e dizia:
“É hoje”. E eu pensava: “Me fudi, perdi um amigo”.
Nem ensaboei, o banho foi água fria
somente. Tirei ela do box, enxuguei-a e tentei colocar a calcinha dela enquanto
ela resistia dizendo: “Para quê?”
Respondi: “Para não tomar o chá pelada”. Consegui
finalmente que ela vestisse a calcinha. Procurei uma camiseta, mas não tinha
nenhuma limpa a não ser a que eu vestia. Lavava minhas roupas a cada quinze
dias numa lavanderia na mesma quadra, e isto seria dali a dois dias. Peguei uma camisa de “trabalho” branca limpa, que nela se transformou em vestido curto de botões.
Assim que preparei o chá, quando a olhei
para servi-la ela estava encostada, girando a calcinha no dedo indicador da
mão. Aquela visão icônica de uma mulher nua somente com sua camisa, ela
parecendo a Jane Birkin. Minha mão que jamais tremeu nas cirurgias que fiz
não conseguia segurar firmemente a xícara, o barulho das porcelanas se batendo,
eu agradecendo de não ter enchido a xícara. Deixei em cima da mesa e sentei-me.
Disse-lhe para tomar o chá de erva cidreira para evitar a dor de cabeça pela
manhã. Depois que ela tomou o chá, levei-a até a cama, deitei-a no colo e pedi
que ela me contasse o que aconteceu com Mário. Fiquei acariciando os cabelos
dela, e quando eu falava o fazia num tom monocórdico até que ela adormeceu.
Acomodei-a direito na cama e fui dormir no sofá-cama da sala.
De manhã a acordei porque tinha que chegar cedo
ao Hospital do Fundão.
- O que aconteceu? Como vim parar aqui? –
Perguntou ela.
- Segundo você. Sua irmã te deixou aqui. –
respondi.
- E o que eu vim fazer aqui?
Não sabia se ela estava mentindo ou se
estava mesmo com amnésia alcóolica, até hoje ela jura que não lembra.
- Você chegou dizendo que queria transar
comigo.
- Nós transamos?
- Claro que não. Você estava bêbada. Te dei
banho, te vesti e te coloquei para dormir. Dormi aqui no sofá.
Ela viu que o sofá estava com roupa de cama
toda amassada.
- Obrigado, e desculpa pelo vexame (não foi
o termo vexame, não me lembro do termo, apenas que ela se desculpou).
- Não foi nada. Você estava bêbada. Tem
café solúvel. Vou te deixar em casa antes de ir para o Fundão.
Ela me olhou “daquele” jeito. E sorriu. Não
precisava dizer mais nada. De imediato nós dois sabíamos o que iria acontecer.
O que aconteceu eu não conto. Não tem
importância. A “moral da história”? Também não tem.
Faça o que fizer, você sai perdendo, uma
amizade, uma consciência limpa, um pecado cometido, ou um pecado não cometido
(porque existem pecados que valem a pena serem cometidos). No fim, ganha apenas
uma coisa, uma história para contar.