Rod Laver (abaixo) vs Ken Rosewall.
O tênis, meu esporte favorito, incorporou ética,
justiça e “verdade” na prática esportiva, concedendo ao atleta o direito a
desafiar as marcações. Infelizmente isto não pode ser feito em todas as quadras
(e deveria), nem em todos os torneios. Ao menos o esporte Tênis deu este
gigantesco passo na ética esportiva enquanto outros esportes caducam em
práticas do século XIX tendo apoiadores que usam a infame frase: “Polêmica faz
parte, é ela que deixa o esporte interessante”. O que pode haver de
interessante em um resultado injusto provocado por um árbitro mal-intencionado?
Ou simplesmente incompetente? Esta “lógica” passa longe da minha compreensão.
Poucas regras mudaram neste esporte desde o
início do século XX. Até 1961 o jogador era obrigado a ter um dos pés no chão
durante o saque; a implementação do Tie-break na segunda metade do século XX e
a bem vinda utilização do recurso do desafio. Porque sempre foi um esporte
atemporal, não precisou de grandes adaptações para continuar como um dos
esportes mais queridos e certamente um dos mais emocionantes, em minha opinião
o mais emocionante deles. Que outro grande esporte um top10 pode ser derrotado
por um que está abaixo do top100? No tênis é pouco comum, mas acontece de vez
em quando.
A História do tênis pode ser dividida em quatro eras. A primeira dela atravessando séculos, desde o primeiro jogador conhecido
deste esporte, o rei Louis X da França no século XIII até a segunda metade do
Século XIX quando Harry Geem e Augurio Perera estabeleceram as regras do tênis “moderno”
e iniciam a segunda era que dura até os anos 30 do século XX. Na década de 20 o empresário C. C. Pyle
estabeleceu o primeiro tour profissional com audiência pagante com tenistas
americanos e franceses.
Bill Tilden
Os maiores expoentes desta primeira fase de
transição entre o amadorismo e o profissionalismo foram: O americano Bill
Tilden, vencedor de 138 torneios em 182 disputados como amador e dono de um
recorde de 907 vitórias contra 62 derrotas, um aproveitamento fantástico de
93,6%. Venceu 10 torneios de Grand Slam, 3 em Wimbledon aonde deixou de
participar de 1922 a 1926 quando era o principal favorito por não querer atravessar
o oceano de barco “apenas” para vencer facilmente um torneio. Venceu 7 US Open. Disputou apenas 3 French
Open chegando as finais em 1927 e 1930 e perdendo a semi-final em 1929. Entre
1920 e 1924 o “Aberto” francês esteve fechado aos não franceses. Bill Tilden nunca
disputou o Australian Open, que até 1938 (quando do título de Don Budge) não
tinha importância alguma. Nesta época apenas 3 títulos eram de grande
importância, o da taça Davis, Wimbledon e US Open. Venceu 10 títulos de Grand
Slam em 23 disputados.
Por necessidade financeira tornou-se
profissional em 1930 e consequentemente perdeu o direito de disputar os
torneios de Grand Slam, permitido apenas aos amadores. Nos torneios
profissionais venceu 4 “Majors” (dois French Pro e dois US Pro). Por conta de
seu homossexualismo Bill Tilden sofreu o preconceito da sociedade no tempo em
que homossexualismo era crime. Talvez por conta disso seja pouco reverenciado e
referenciado. Foi técnico da Davis Cup
pela Alemanha em 1937.
Somente entre os “Slams” amadores e
profissionais, venceu 14 de 42 disputados (33,3%).
Gottfried von Cramm (à esquerda) e Don Budge.
Don Budge foi um tenista americano, o
primeiro tenista a vencer os 4 torneios de Grand Slam no mesmo ano, em 1938.
Venceu Wimbledon e US Open também em 1937, portanto venceu 6 torneios em apenas
11 disputados. Logo se tornou profissional, no final de 1938, e como
profissional venceu 4 torneios Pro Slam (Um French Pro, um Wembley Pro e dois
US Pro) de 17 disputados. Venceu ao todo 10 Slams entre profissionais e
amadores em 28 disputados (35,7%).
Os torneios Pro Slam significavam na época do
profissionalismo até a era aberta de 1968 o que os torneios Grand Slam significam hoje,
os maiores torneios entre os melhores jogadores.
Até o aparecimento de Ken Rosewall, Don
Budge foi considerado o melhor backhand da história do tênis. O duelo de Don
Budge contra Gottfried von Cramm pela taça Davis de 1938 é considerado por
muitos como o mais emocionante da história.
Fred Perry
Fred Perry é o tenista inglês citado todo
ano durante as transmissões de Wimbledon por ser o último bretão a vencer em
Wimbledon. Venceu 8 títulos de Grand Slam (um AUS Open, um French Open, três
Wimbledon e três US Open) em 22 disputados e 2 Pro Slam (USPro) em 9
disputados. Portanto 10 títulos de Slam em 31 disputados (32%). Segundo Jack Kramer, Perry não venceu mais torneios porque se julgava "acima" do esporte. Kramer também dizia que Bill Tilden considerava Perry "the world's worst good player".
Suzanne Lenglen
A francesa Suzanne Lenglen foi o primeiro
grande nome feminino a se tornar profissional, porém seus grandes resultados
vieram como amadora, vencendo 12 torneios de Grand Slam, 6 em Wimbledon e 6
French Open em 16 eventos disputados com um aproveitamento fantástico de 75%
dos grandes torneios que disputou.
Ken Rosewall (esquerda) e Rod Laver.
Dentro desta era do tênis bem que poderia
ser separada como uma era isolada, os anos 50 e 60, quando três gigantes do
esporte pisaram nas quadras: Pancho Gonzales, Rod Laver e Ken Rosewall. Eu
chamaria de época dourada do tênis. São os maiores vencedores de “Majors”,
contando os Grand Slams e os Pro Slams, Pancho Gonzales tem dezessete, o mesmo
número de Roger Federer, Rod Laver tem dezenove e Ken Rosewall possui vinte e
três títulos de “Majors” em sua carreira, sendo o maior recordista de “Majors”
em simples da história do tênis.
Pancho Gonzales
Pancho Gonzales foi considerado por muitos
especialistas de tênis como o maior de todos os tempos. Como já disse outras
vezes, não gosto deste tipo de comparações entre épocas distintas.
Circunstâncias diferentes merecem análises diferenciadas. Pancho Gonzales
durante seus primeiros três anos como jogador, ainda amador jogou apenas 5
torneios de Grand Slam vencendo 2 US Open. Passou 17 anos impedido de jogar
estes torneios até a era aberta. Quando foi permitido a competir novamente já
estava “velho”, participou de 1968 a 1973 de 12 torneios tendo como melhor
resultado uma semifinal. Porém como profissional venceu 15 de 26 “majors”
disputados, um aproveitamento de 58%. Pancho Gonzales profissionalizou-se muito
cedo para a época, com 21 anos e enfrentou de cara um grande oponente, o
tenista Jack Kramer, que mais tarde se tornaria um empresário dos
profissionais, entre eles o próprio Gonzales. Por conta das derrotas para
Kramer, Gonzales passou a ser o jogador isolado, triste e irritadiço pelo resto
de sua carreira. Kramer chegou a aconselhar a Gonzales a deixar de ser um “garoto
Hamburger-Hot-dog” para ter uma dieta de atleta e alertou para as consequências
de ser um fumante inveterado na prática de um esporte em alto nível. Pancho Gonzales,
no entanto, continuou com suas peculiaridades e ainda assim, por conta do
talento extraordinário que tinha se tornou não apenas um gigante do tênis, mas
um gigante do esporte. Em 1999, a revista Sports Illustrated o colocou em
décimo quinto lugar entre os vinte grandes atletas do século XX dizendo: “Se a
vida na terra dependesse de um jogo de tênis, o homem que você desejaria que
estivesse em quadra defendendo a humanidade seria Ricardo Alonso Gonzalez”.
Ricardo Alonso Gonzalez, ou simplesmente,
Pancho Gonzales, casou-se e divorciou-se seis vezes, sendo odiado pelas seis ex-esposas.
Teve oito filhos e morreu pobre. Seu enterro foi pago pelo ex-cunhado André
Agassi, outro grande campeão de tênis.
Rod Laver
Ken Rosewall
Rod Laver e Ken Rosewall. Não dá para contar a história de um destes
dois jogadores sem falar do outro. Rod Laver é um ex-tenista australiano, considerado
por muitos o “maior de todos os tempos”, é o único tenista a conseguir vencer
os quatro torneios de Grand Slam no mesmo ano por duas vezes, uma quando amador
em 1962 e outra na Era aberta, quando se permitiu a presença de profissionais,
em 1969. Também é o único tenista da era aberta a ter este feito. Outro tenista
que teve chances reais de igualar este recorde foi Jimmy Connors em 1974, mas
por razões “políticas” neste ano Connors boicotou o French Open, só retornando
a este torneio em 1979. Rod Laver é o segundo maior vencedor de “Majors” com 19
títulos perdendo apenas para seu grande rival Ken Rosewall, que tem espantosos
23 títulos. A rivalidade entre os dois, restrita as quadras, não encontra
precedentes nem procedentes na história do tênis. Laver tem a vantagem de
79-63, porém em “majors” a vantagem é de Rosewall com 7-5. Os dois receberam o
título de “Tesouros vivos australianos”.
Muitos fãs de Roger Federer usam os números
de títulos de torneios de Grand Slam do Federer para denominá-lo de “maior de
todos os tempos”. Seguindo esta lógica este título pertence ao australiano Ken
Rosewall, que possui 23 títulos de “Majors”, como pode ser visto na tabela
abaixo, contra os 17 de Federer. Sei que não estou sozinho nesta opinião. A oficialização dos grandes torneios profissionais como torneio de Grand Slam já é requisitada por muitos especialistas do tênis. Nada impede de serem considerados "Majors" os torneios US Pro, French Pro e Wembley Pro, os principais torneios profissionais antes da era aberta.
O único “Major” que Rosewall não venceu foi
Wimbledon, chegou a quatro finais, mas não venceu. Porém nos seus melhores anos
venceu o que seria o correspondente a Wimbledon, o Wembley Pro por cinco vezes.
Além do recorde de maior número de “Majors”, Rosewall ainda mantém recordes impressionantes.
Venceu o Australian Open sem perder um único Set, recorde igualado por Federer.
Mas Rosewall o fez quando tinha 36 anos em 1971. É o mais velho vencedor do
Australian Open, com 37 anos e 2 meses em 1972 e o mais velho vencedor do US
Open com 35 anos e 10 meses. Também é o mais velho jogador a estar em uma final
de Grand Slam no US Open de 1974 com 39 anos e 10 meses, quando perdeu para
Jimmy Connors. Rosewall também é considerado ainda hoje o melhor backhand que o
tênis já viu.
Ken Rosewall é o meu maior ídolo no tênis,
seguido de muito perto por Rod Laver e Pancho Gonzales, mas eu não conseguiria
destacar nenhum dos três no item “o melhor dentro das quadras”. Em minha
opinião são os três gigantes do tênis. Para mim, existem apenas dois outros jogadores
aos quais me atreveria a chamar de gigantes, porém menores que estes três, que
são Federer e Nadal. Sobre estes falarei na parte dois sobre este esporte.
Maureen Connolly
Para finalizar a parte um, a representante
feminina desta época de ouro. A gigante entre as mulheres. E com ela eu me
arrisco a dizer: “A maior entre as maiores”, muito talvez pela forma que
enfrentou as dificuldades que a vida lhe apresentou. Seu nome: Maureen Connolly.
Uma mulher tão extraordinária que inspirou filmes a respeito dela. A tragédia
impediu a continuidade de sua brilhante carreira. Tenista excepcional, também
era uma excelente amazona, adorava os cavalos e sofreu uma queda que a
inutilizou para o tênis em julho de 1954, antes do US Open aonde defenderia um tricampeonato
consecutivo. Foi a primeira tenista a vencer os 4 torneios de Grand Slam no
mesmo ano, em 1953. Venceu 9 títulos de Grand Slam em 11 disputados com o
aproveitamento recorde de 81,8%. Sendo que estes 9 títulos foram nos 9 últimos disputados.
Ou seja, nove títulos consecutivos em torneios de Grand Slam, um recorde que dificilmente
será quebrado um dia.
Ainda escreverei um Post exclusivo para
ela. Por enquanto recomendo assistirem o filme de 1978, “Little Mo” feito para
a TV, com Glynnis O’Connor no seu papel. Maureen morreu aos 34 anos de câncer.
Terminando a parte um desta galeria está
uma tabela com um resumo dos resultados destes gigantes do esporte nos torneios
“Majors”.
Resultados
de simples em grandes torneios. Torneios vencidos / torneios disputados
Wimb – Wimbledon. Wemb – Wembley. TC -
Torneio dos Campeões.
Jogador
|
Wimb
|
U.S.
Open
|
French
Open
|
AUS
Open
|
Total
GS
|
Olymp
Game
|
Wemb
Pro
|
U.S.
Pro
|
French
Pro
|
Total
Pro
|
Total
Majors
|
Bill Tilden
|
3/6
|
7/14
|
0/3
|
0/0
|
10/23
43,5%
|
-
|
0/4
|
2/9
|
2/6
|
4/19
21,1%
|
14/42
33,3%
|
Don Budge
|
2/4
|
2/5
|
1/1
|
1/1
|
6/11
54,5%
|
-
|
1/5
|
2/11
|
1/1
|
4/17
23,5%
|
10/28
35,7%
|
Fred Perry
|
3/8
|
3/6
|
1/6
|
1/2
|
8/22
36,4%
|
-
|
0/2
|
2/7
|
0/0
|
2/9
22,2%
|
10/31
32,3%
|
Suzanne Lenglen
|
6/8
|
0/1
|
6/7
|
0/0
|
12/16
75%
|
1 Ouro
|
-
|
-
|
-
|
-
|
12/16
75%
|
Pancho Gonzales
|
0/5
|
2/9
|
0/2
|
0/1
|
2/17
11,8%
|
-
|
4/9
|
8/13
|
0/4
|
15/26
57,7%
|
17/43
39,5%
|
Rod Laver
|
4/11
|
2/12
|
2/8
|
3/9
|
11/40
27,5%
|
-
|
4/5
|
3/5
|
1/5
|
8/15
53,3%
|
19/55
34,5%
|
Ken Rosewall
|
0/11
|
2/12
|
2/5
|
4/14
|
8/42
19,1%
|
-
|
5/11
|
2/6
|
8/10
|
15/27
55,6%
|
23/69
33,3%
|
Maureen Connolly
|
3/3
|
3/5
|
2/2
|
1/1
|
9/11
81,8%
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
9/11
81,8%
|
Uma aula e tanto de como a política do tênis prejudicou estes grandes jogadores, os comentaristas de televisão deveriam chamar a atenção para os verdadeiros "majors" desta época. Estou esperando ansiosamente pela parte 2.
ResponderExcluirAté terça, na sua outra aula.
Fabiana (sua aluna).