O
meu filho mais velho poucos anos atrás me fez uma pergunta quando eu parti
juntamente com alguns colegas, para um país africano tentando ajudar pessoas
que não tinham recursos nem acesso a um atendimento médico decente: “Porque
vocês se arriscam tanto, enfrentando perigos por pessoas que não conhecem, sem
receber nada em troca, pelo contrário, gastando do próprio bolso, sem o apoio
de governos que não querem vocês por lá e principalmente sabendo que a ajuda de
vocês não mudam o principal problema que é a extrema pobreza destas pessoas”?
Eu
não tive uma resposta clara, porque não havia uma. Como exprimir um sentimento
que não pode ser repartido senão pela própria experiência? E foi exatamente
isso que respondi: “Quando você for maior de idade, te levarei e você verá com
seus olhos qual a imensa recompensa que recebemos por esta ajuda no olhar de
quem ajudamos. Não tem como descrever isso, você terá que vivenciar”.
Bem,
meu filho ainda não atingiu a maioridade, portanto esta promessa ainda não foi
cumprida. Espero estar vivo e saudável para cumpri-la e o farei quando o risco
for quase nulo, afinal a falta de senso para a autoproteção é inversa a também
falta de senso para a proteção dos filhos, a nós mesmos descuidamos, aos nossos
filhos superprotegemos. E não vejo nada de errado nisso.
Porém
hoje, tenho algo mais do que simples palavras para dar uma pequena amostra do
quanto somos recompensados por nosso trabalho. Tenho dois exemplos. Viajei
quase cinco horas para ter acesso a Internet e escrever este texto para meu
filho mais velho.
Ontem
encerramos a primeira etapa desta viagem itinerante com nossa unidade móvel. E
recebi de um velho senhor, líder da comunidade, uma rosa branca e folhas de papel
manuscritas. Uma recompensa que me apertou a garganta e fez correr as duas lágrimas
que permito saírem dos meus olhos em momentos especiais da minha vida.
Para
que se tenha uma dimensão desta recompensa contarei um caso inverso, que tive
no início de minha carreira. Ainda no primeiro ano de residência em cirurgia,
fui chamado de urgência pelo cirurgião com qual trabalhava desde meu terceiro
ano (sexto semestre) do curso de medicina. Um paciente, um rico fazendeiro,
chegara em Salvador com alto risco de morte por ter sofrido uma facada e apesar
de operado no interior o pâncreas não foi devidamente suturado de forma que o
indivíduo sofreu lesões em pingos de vela em consequência ao vazamento. Operamos
o fazendeiro, salvamos a vida dele. Quando da alta deste rico fazendeiro, ele
pagou ao Hospital privado, porém deu calote na nossa equipe médica.
Ainda
como residente, operei casos mais simples, de riscos menores, em pacientes
pobres, sem cobrar e alguns destes pacientes algum tempo depois me levavam
presentes que eu aceitava apenas quando da insistência dos pacientes para que
eles não se sentissem ofendidos. Assim, muitas pessoas humildes mostravam sua
gratidão me “presenteando” com quilos de amendoim, milho, feijão, etc... por
uma simples cirurgia, quando não tinham obrigação alguma de fazê-lo, enquanto o
rico fazendeiro, cujo pagamento era relativamente bem menos significativo em
suas posses que os “presentes” dos humildes, este fazendeiro mostrava sua
indiferença ao fato de ter sua vida salva por nossa equipe médica nos passando
o calote.
Voltando
ao velho senhor, líder da comunidade aonde encerramos ontem nossa passagem. A
entrega de uma rosa branca é deveras significativa, pois não há jardins nos
locais próximos a esta região quase desértica. Ou seja, uma viagem longa
precisou ser feita para adquirir aquela rosa. Que tinha de ser branca para ser
o complemento perfeito às páginas manuscritas. O que tinha nas páginas é possivelmente
o melhor pagamento que já recebi na vida.
Não
conhecia o autor, ignorância minha, reconheço, mas quando voltar a Salvador
será uma das primeiras coisas que farei: procurar pela obra dele.
O
manuscrito:
Extractos
de los Versos Sencillos de José Martí.
I
Yo soy un hombre
sincero
De donde crece la
palma.
Y antes de morirme quiero
Echar mis versos del alma.
Yo vengo de todas partes,
Y hacia todas partes voy:
Arte soy entre las artes,
En los montes, monte soy.
Yo sé los nombres extraños
De las yerbas y las flores,
Y de mortales engaños,
Y de sublimes dolores.
Yo he visto en la noche oscura
Llover sobre mi cabeza
Los rayos de lumbre pura
De la divina belleza.
Alas nacer vi en los hombros
De las mujeres hermosas:
Y salir de los escombros,
Volando las mariposas.
He visto vivir a un hombre
Con el puñal al costado,
Sin decir jamás el nombre
De aquélla que lo ha matado.
Rápida como un reflejo,
Dos veces vi el alma, dos:
Cuando murió el pobre viejo,
Cuando ella me dijo adiós.
Temblé una vez -en la reja,
A la entrada de la viña,-
Cuando la bárbara abeja
Picó en la frente a mi niña.
Gocé una vez, de tal suerte
Que gocé cual nunca: cuando
La sentencia de mi muerte
Leyó el alcalde llorando.
Oigo un suspiro, a través
De las tierras y la mar,
Y no es un suspiro. -es
Que mi hijo va a despertar.
Si dicen que del joyero
Tome la joya mejor,
Tomo a un amigo sincero
Y pongo a un lado el amor.
Yo he Visto al águila herida
Volar al azul sereno,
Y morir en su guarida
La víbora del veneno.
Yo sé bien que cuando el mundo
Cede, lívido, al descanso,
Sobre el silencio profundo
Murmura el arroyo manso.
Yo he puesto la mano osada
De horror y júbilo yerta,
Sobre la estrella apagada
Que cayó frente a mi puerta.
Oculto en mi pecho bravo
La pena que me lo hiere:
El hijo de un pueblo esclavo
Vive por él, calla y muere.
Todo es hermoso y constante,
Todo es música y razón,
Y todo, como el diamante,
Antes que luz es carbón.
Yo sé que el necio se entierra
Con gran lujo y con gran llanto,
Y que no hay fruta en la tierra
Como la del camposanto.
Callo, y entiendo, y me quito
La pompa del rimador:
Cuelgo de un árbol marchito
Mi muceta de doctor.
XXXIX
Cultivo una rosa
blanca
En julio como en enero,
Para el amigo sincero
Que me da su mano franca.
Y para el cruel que me arranca
El corazón con que vivo,
Cardo ni oruga cultivo;
Cultivo la rosa blanca.
XL
Pinta mi amigo el pintor
Sus angelones dorados,
En nubes arrodillados,
Con soles alrededor.
Pínteme con sus pinceles
Los angelitos medrosos
Que me trajeron, piadosos,
Sus dos ramos de claveles.
XLI
Cuando me vino el honor
De la tierra generosa,
No pensé en Blanca ni en Rosa
Ni en lo grande del favor.
Pensé en el pobre artillero
Que está en la tumba, callado;
Pensé en mi padre, el soldado;
Pensé en mi padre, el obrero.
Cuando llegó la pomposa
Carta, en su noble cubierta,
Pensé en la tumba desierta
No pensé en Blanca ni en Rosa.
XLIV
Tiene el leopardo un abrigo
En su monte seco y pardo:
Yo tengo más que el leopardo
Porque tengo un buen amigo.
Duerme, como en un juguete,
La mushma en su cojinete
De arte del Japón yo digo:
“No hay cojín como un amigo”.
Tiene el conde su abolengo;
Tiene la aurora el mendigo;
Tiene ala el ave: ¡yo tengo
Allá en México un amigo!
Tiene el señor presidente
Un jardín con una fuente,
Y un tesoro en oro y trigo:
Tengo más, tengo un amigo.
O manuscrito terminava assim:
Estos versos y esta rosa son un
pequeño regalo para el amigo Dr. Titus y su equipo. Lleve nuestro
reconocimiento y nuestro respeto eterno.
Então, meu filho, se um dia eu não
puder cumprir a minha promessa de fazê-lo sentir o que significa a gratidão
destas pessoas, leia estes versos e saiba que não existe nada mais nobre na
vida de alguém do que ser simplesmente um amigo.